Estes dias, enquanto o carro percorria as estradas alentejanas e quando os Kilometros percorridos esgotavam as palavras, li, em voz alta para quem me quis ouvir, as 91 páginas da pequena edição do livro “A morte de Ivan Ilich” de Lev Tolstoi.
O livro é extremamente pequeno, e lê-se, como é costume dizer-se, num abrir e fechar de olhos. E no entanto, em tão poucas páginas, Tolstoi apresenta-nos o ser humano. O ser humano como ele o vê!
Aqui o tema central é a morte! A morte e o caminho até ela, e a forma como uns e outros a encaramos… A morte e a forma como a aceitamos ou não… A morte e a forma como a questionamos… A morte e nós e a morte e os outros…
E logo no primeiro capítulo descobrimos que Ivan Ilich morreu! Descobrimos isto na mesma altura em que o descobrem os seus “amigos”! E é logo aqui que nos deparamos com a estranha forma de ser do ser humano. Logo aqui começamos a ver o estranho egocentrismo, o seu estranho egoísmo e oportunismo que Tolstoi nos quer contar.
E é com este estranho ser humano com que nos vamos encontrando no decorrer das 91 páginas. É este estranho ser humano que está visível em quase [quase porque também há as raras excepções] todas as personagens do livro. Em quase todas elas encontramos um bocadinho desse egocentrismo, desse egoísmo, desse oportunismo além de outros adjectivos menos abonatórios da condição humana que podiam ser aqui acrescentados.
Nos restantes onze capítulos vamos conhecendo um pouco de Ivan Ilich e das pessoas que o rodeiam, um pouco das suas vidas, um pouco das suas motivações, um pouco dos seus refúgios, um pouco das suas transformações até começamos a acompanhar de perto a morte que nos contaram no primeiro capítulo.
São as 91 páginas mais pesadas que já li… Mas um peso que vale a pena carregar!
Cá ficam algumas gramas:
“Aquele exemplo de silogismo que tinha aprendido na lógica de Kizevetter: Caio é homem , os homens são mortais , portanto Caio é mortal, pareceu-lhe em toda a sua vida justo apenas em relação a Caio, mas de modo algum em relação a si próprio. Aquele era o homem Caio, o homem em geral, e isso era perfeitamente justo; mas ele não era Caio e não era o homem em geral, sempre tinha sido um ser completamente separado de todos os outros; ele era Vânia1 com o papá e a mamã, com Mitia e Volódia, com os brinquedos, o cocheiro, a ama, depois com Kátenka, com todas as alegrias, tristezas e encantos da infância, da adolescência, da juventude. Pois o que saberia Caio daquele cheiro das tiras de couro da bola que Vânia tanto gostava? Beijaria Caio assim a mão da sua mãe e ouviria assim o murmúrio da seda dos folhos do vestido dela? Ter-se-ia ele revoltado assim na escola por causa dos pastéis? Teria Caio amado assim? Caio seria capaz de presidir como ele a um julgamento?
E Caio era de facto mortal e era justo que morresse, mas para mim, Vânia, Ivan Ilitch, com todos os meus sentimentos e emoções, para mim isso é outra coisa. E não é possível que eu tenha que morrer. Isso seria demasiado horrível.”
1 Vânia: diminutivo de Ivan
1 ensaios:
A morte de Ivan Ilitch é daqueles livros que me faz ler mais e mais livros russos...Poucos são os escritores que conseguem falar da humanidade tão bem como conseguem os russos. Dostoievski, Toltstoi, Tchekhov, Gorki, etc...Ainda existem várias obras destes senhores que ainda não li, o que é para mim uma enorme satisfação!
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